Contigo ao colo, subimos as escadas até ao bloco operatório, e aguardamos que uma enfermeira nos desse acesso a um pequeno cubículo.
"Quer levá-la ao bloco?"
"Sim, por favor".
A mamã e o papá trocam olhares turvos. Com um nó na garganta é difícil falar, mas é preciso seguir em frente, fazer o que está certo. "É para o bem dela".
"Vai tu, eu não consigo".
"Está bem, mas então é melhor despedires-te".
(...)
A porta abre-se. Curva, contra-curva, dois rostos cobertos por máscaras, hesito. "É para o bem dela".
"Bom dia".
"Bom dia. Pode deitá-la na mesa."
"É agora, filha. Preciso que sejas forte. Os papás amam-te muito, mas não podem fazer esta viagem por ti. Estaremos à tua espera do outro lado. Sê forte, filha."
A máscara para a anestesia assusta-te, tentas resistir e levantar-te da mesa. Tens os olhos brilhantes fixos em mim: "És o meu pai, porque estás a fazer isto?"
"Shhh, pronto, o papá está aqui, tem calma, o papá vai estar sempre contigo. Sempre."
Os olhos fecham-se, a enfermeira agarra-me o braço, e conduz-me até ao cubículo onde está a mamã a chorar. Não consigo ver. Não consigo respirar. Falta-me chão.
"É para o bem dela."
"Eu sei.."
(...)
Um pedaço dos papás ficou naquela mesa de operações. Pequeno preço a pagar para te voltar a ter nos braços, luz dos nossos dias.
Faz hoje um ano.