Sobre a moralidade da optimização fiscal.
Nunca encontrei quem escolhesse pagar mais impostos, do que menos, se o souber fazer legalmente.
Na Quarta passada reuni com 4 dos meus homónimos, (o Ribeiro anda a faltar aos treinos), no Lazer Sampaio, em Santo Tirso.
Polvo, costeletão, o Reis a escolher um tinto do qual só havia 2 garrafas de anos diferentes, (que obviamente tivemos que comparar), e algures pelo meio debatia-se “moralidade fiscal”, ou seja:
Até que ponto é que a optimização fiscal, em conformidade legal, é moralmente condenável? Dito de outra forma, porque a moral vem da nossa própria consciência, até que ponto nos sentimos confortáveis ao utilizarmos a literacia tributária com vista ao planeamento e minimização do tributo?
A minha perspectiva:
1. Nunca encontrei quem escolhesse pagar mais impostos, do que menos.
Algumas pessoas sentem-se justas, honestas e contribuidoras para a sociedade onde se inserem, ao verem os seus rendimentos do trabalho por conta de outrem ser tributado em sede de IRS, por exemplo.
Mas isso não as impede de apresentarem deduções à colecta, (ex. despesas com saúde, educação, benefícios fiscais, etc.), maximizando as benesses fiscais de que tenham conhecimento, (directamente ou através do seu contabilista), até ao montante que a Lei permite.
Se, ou quando querem reforçar a sua solidariedade social, fazem-no de muitas formas, (ex. donativos monetários e em géneros, voluntariado, compras solidárias, etc.), mas mediante o seu timing e o seu critério.
Nunca encontrei quem escolhesse pagar mais impostos, do que menos, se o souber fazer legalmente.
2. Empresas e cidadãos, ambos querem pagar o menos possível.
Qual é a diferença, então, para um potencial funcionário que, conhecendo a Lei e desvalorizando as vantagens do vínculo (leia-se “segurança”) laboral, propõe à entidade empregadora que não o contrate como trabalhador, (sujeitando os seus rendimentos brutos a cerca de 50% de tributação, entre IRS e Segurança Social, ou muito mais que isso, dependendo da sua remuneração), mas sim como fornecedor externo, via uma empresa a constituir por ele, (empresa cujo lucro a apurar em sede de IRC, deduzidas as despesas, é tributado a 17% até aos primeiros 25000€, e 21% depois disso)?
Não está esse cidadão dentro da Lei? Não usa a Lei legalmente para minimizar o tributo? E esse tributo não é na mesma usado para contribuir para a sociedade onde se insere? Porque haverá de ser condenável moralmente este tipo de optimização fiscal?
Outro exemplo, no imobiliário:
Entre 2022 e 2024, as mais-valias resultantes da venda de uma segunda habitação, ou terreno para construção, podiam não ser sujeitas a tributação em sede de IRS, se o valor da venda fosse utilizado, nos 3 meses seguintes, para amortização de um crédito para HPP - Habitação Própria e Permanente do proprietário, ou descendentes.
A fazê-lo, não está esse proprietário dentro da Lei? Não usa a Lei legalmente para minimizar o tributo? Deve sentir-se menos ético que os demais cidadãos, por não pagar essas mais-valias?
Ainda outro exemplo, agora no mundo empresarial:
Assumindo que uma empresa com 4000€ de lucros os pretende distribuir a 2 sócios-gerentes que têm salários brutos de 1000€, e uma taxa de IRS efectiva de 10%, pode:
Pagar os 17% de IRC sobre os lucros, e distribuir os restantes 1660€ a cada sócio em dividendos, (rendimentos de capitais taxados a uma taxa liberatória de 28% em sede de IRS, ou englobados a 50% com os restantes rendimentos do sócio). Optando pela taxa liberatória, cada sócio recebe 1195,20€ líquidos. Optando pelo englobamento recebe 1577€1;
Distribuir os 4000€ via gratificações de balanço, (rendimento de trabalho dependente excluído da base contributiva para a Segurança Social, considerado um gasto dedutível para efeitos de IRC2), e ver essa gratificação englobada com os restantes rendimentos de cada sócio-gerente, em sede de IRS. Através desta opção cada sócio-gerente recebe 1800€3.
Nota: a UWU tem uma página com exemplos interessantes para distribuição de dividendos e gratificações de balanço.
Optando pelas gratificações de balanço, não estão a empresa e os sócios-gerentes dentro da Lei? Não usam a Lei legalmente para minimizar o tributo? E esse tributo não é na mesma usado para contribuir para a sociedade onde se inserem? Porque haverá de ser condenável moralmente este tipo de optimização fiscal?
3. O Estado não é uma pessoa de bem.
A AT - Autoridade Tributária é uma máquina extremamente eficiente criada para extorquir impostos às empresas e cidadãos portugueses, e não é uma pessoa de bem. Se fosse, não perderia 77% dos processos no tribunal arbitral.
23% de processos perdidos significa “paga primeiro e reclama depois”, acreditando que muitos não reclamam. Não reclamam de injustiças, de dupla tributação, de coeficientes desactualizados usados na valorização de imóveis, de interpretação subjectiva da Lei, de atrasos na devolução do dinheiro aos contribuintes.
4. O Estado tem uma carga fiscal demasiado pesada, para a qualidade dos serviços públicos que presta.
Uma vez cobrados os impostos, não sinto que sejam utilizados da melhor forma em prol da população. Gostava de viver num país com serviços públicos de qualidade, com médicos de família para todos, sem filas de espera para cirurgias, sem grávidas a parirem a 100Km de casa, sem alunos sem professor, com oferta pública de habitação a preços acessíveis, com medidas sérias para incentivo à natalidade, e com justiça célere, por exemplo.
Não me importo de pagar portagem para conduzir a 120Km/h. Estaria até disposto a pagar mais portagem para poder conduzir a 160Km/h. Mas recuso-me a pagar portagem para conduzir a 50Km, numa nacional uma faixa de rodagem em cada sentido, cheia de trânsito, semáforos e buracos.
5. Então onde traço a linha?
Por todos os motivos acima, quero ser tributado pelo menor valor possível, e acredito que a maioria da população pense da mesma forma.
Para isso tento manter-me a par da legislação tributária que me afecta agora, (“as regras do meu tabuleiro”), e no futuro próximo, (“as regras do próximo tabuleiro”). Tento sondar entre pares ferramentas, procedimentos, estratégias e contactos de especialistas. Tento compreender as soluções usadas por outros, principalmente aqueles que conseguem alterar a letra da Lei, ie “que janelas se abrem, quando determinada porta se fecha“.
A minha linha ética ou moral, no que à tributação diz respeito, traça-se na legalidade dos mecanismos à disposição para assegurar a optimização fiscal. Se a Lei permite, e me dá vantagem, é para usar.
Sujeitos a retenção de 28%, a deduzir na declaração de IRS. Se não subir de escalão IRS.
Até ao dobro da remuneração mensal auferida no período de tributação a que respeita o resultado em que participam, no caso de membros de órgãos sociais (gerentes, administradores, etc…), quando os beneficiários sejam titulares, directa ou indirectamente, de partes representativas de, pelo menos, 1% do capital social.
Sujeitos a retenção de 28%, a deduzir na declaração de IRS. Se não subir de escalão IRS.
Sendo legal é moralmente aceitável. A modalidade, num estado de direito, traça -se através da legislação.